Os
Índios no Brasil: miscigenação e escravidão
As muitas pesquisas em sítios
arqueológicos brasileiros indicam que a presença humana em nosso
território é bastante antiga. Os primeiros vestígios datam de 48 mil
anos atrás, e foram encontrados em São Raimundo Nonato, no interior do
Piauí. Isso significa que a presença humana no Brasil já era forte muito
antes da chegada dos portugueses.
Quando os europeus chegaram
em nossas terras, o choque cultural entre dois povos tão diferentes é
algo quase inimaginável para nós, atualmente. Os portugueses eram
profundamente católicos e vinham de um país de tradições e costumes
bastante rígidos. Encontram nas praias recém-descobertas homens de pele
mais escura, mas não tão escura como a dos africanos; homens e mulheres
que viviam seminus, em tabas e ocas que os portugueses não poderiam
chamar de casas; um povo que não conhecia o Deus cristão e vivia segundo
hábitos e costumes completamente diversos, para quem a riqueza do ouro e
da prata era desconhecida e nada significava.
Se, a princípio, os contatos
entre nativos e portugueses foram amistosos, não demorou muito até que
os “conquistadores” tentassem pôr em prática suas intenções reais. Como
Portugal se considerava proprietária das terras descobertas, e tinha
direito de explorar as riquezas nelas contidas, os índios eram na
verdade um empecilho para o projeto colonizador português. Era preciso
educá-los na fé cristã, para que esta se fortalecesse no mundo e para
que os costumes fossem os mesmos entre nativos e europeus. Além disso,
era preciso vestir os nativos, ensinar-lhes o português, fazê-los
trabalhar, enfim: civilizar aquele povo que parecia ter sido esquecido
por Deus. O grande interesse dos conquistadores era a utilização dos
nativos como mão-de-obra para os trabalhos cotidianos; assim, uma série
de costumes dos índios parecia aos portugueses completamente sem
sentido: o nomadismo, o fato de que não havia propriedade privada entre
eles, ou uma hierarquia de poder, os rituais religiosos e as práticas de
antropofagia. Essas diferenças inquietavam os portugueses, e serviram
como base para que eles classificassem os costumes do povo a ser
colonizado em três categorias: inocentes, bárbaros ou diabólicos.
Classificar os hábitos e
costumes dos indígenas foi a maneira que os portugueses encontraram para
integrá-los ao seu próprio modo de ver o mundo; dessa forma, os
portugueses conseguiram encaixar aquilo que parecia tão incompreensível
dentro da sua própria realidade. Assim, os nativos eram vistos como
bárbaros a serem civilizados, enquanto que o Novo Mundo, pela natureza
exuberante, era visto como o Paraíso.
À medida em que os
portugueses avançavam na apropriação das terras, aumentavam os conflitos
co os indígenas. Afinal, para os colonizadores, os índios deveriam ser
utilizados para o trabalho. A primeira forma de conseguir isso foi o
escambo: os portugueses trocavam utensílios, roupas, ferramentas,
adereços e outras peças pelos mais diversos serviços, como cortar e
extrair do pau-brasil o pó avermelhado que era utilizado para tintura.
Porém, o trabalho dependia da vontade
dos índios para o trabalho. Além disso, nem todas as tribos foram
receptivas aos colonizadores: muitas organizaram ataques contra os
portugueses ou fugiram do litoral. Esses ataques impeliram os europeus a
descobrir uma excelente alternativa para o problema da mão-de-obra: os
índios feitos prisioneiros eram transformados em escravos. Essa prática
recebeu o nome de “Guerra Justa”, e condenava à escravidão todos os
índios que se colocassem contra os portugueses ou contra a doutrina
cristã. Aqueles nativos contra os quais se guerreava eram, para os
colonizadores, os inimigos. Os nativos que aceitavam a entrada
dos invasores e de clérigos e auxiliavam a dominação eram os aliados.
Havia também as tribos que permitiam serem deslocadas de suas terras
originais para as missões, locais onde os índios eram
catequizados pelos padres jesuítas. Estes nativos eram conhecidos como
aldeados.
Estabeleceu-se também uma forte oposição
entre clérigos e colonizadores laicos. Os primeiros organizavam as
missões e as reduções: nelas, os índios eram educados de
acordo com os padrões europeus e trabalhavam com agricultura e
pastoreio. Porém, aos colonos, interessava muito mais a guerra contra os
indígenas, pois esta prática garantia a obtenção de escravos. Assim ,
eles faziam todo o possível para restringir o trabalho dos jesuítas.
Essa oposição esteve fortemente presente durante quase todo o período
colonial. Porém, apesar dela, os colonizadores justificaram sua ação
sobre o Novo Mundo e seus habitantes dizendo que estavam construindo
naquele lugar esquecido o projeto divino da salvação das almas de todos
os homens. Assim, era possível ao mesmo tempo construir um rico império
colonial e ser um defensor da fé cristã. Os dois objetivos eram
fundamentais para os países ibéricos (Portugal e Espanha).
Naturalmente, é preciso ver a relação
entre portugueses e indígenas sob as duas óticas. Afinal, há muito de
positivo nas trocas culturais e nesse encontro entre dois mundos, para
ambos os lados. Não podemos fazer dos portugueses os grandes vilões da
História e dos índios suas vítimas inocentes. Nenhum dos lados foi
totalmente bom ou totalmente mau, pois o ser humano não consegue ser
apenas uma coisa ou outra. Somos uma mistura de coisas boas e más, e as
situações históricas refletem isso. Não há, em momento nenhum da
História, bandidos ou mocinhos, algozes ou vítimas. Muito provavelmente
o uso de tanta violência contra os indígenas e a imposição de uma nova
cultura poderiam ter sido evitados; porém, o Brasil que temos hoje, com
tribos indígenas e seus costumes praticamente em extinção, é resultado
da miscigenação que começou nesse encontro. |